Quem machucou Maria?

Manhã nublada, quase embaçada pelo para-brisa do carro.

Asfalto, nada. Terra e pedra jogada. Então como uma visão

Surge ela, corpo magro, corpo sofrido, passos curtos no chão.

Roupa curta e pernas bronzeadas, mas não sei de que sol.

Nunca vi cachos tão largos, tão cumpridos, tão castanhos,

Tão bonitos. Eles eram como moldura para o rosto e cintura.

Eles eram como serpentes nervosas em busca de caminhos.

Tão assombrosa beleza, quase deixou desperceber cena dura.

Seus braços arranhados numa tentativa de amparo, cruzados

Em posição auto abraço. Mais que isso, parece que a sustentavam

Mais que isso, guardavam o que lhe restou, se é que restou.

E mais além, cobriam os arranhões e escoriações na pele crua.

É tão jovem ainda, tão linda ainda, tão humana ainda querida,

Pra estancar tanta ferida aberta, pra ter tantos cortes pelo corpo.

Para tanto sangue lhe escorrer na face, vermelho vivo no rosto,

Vermelho purpura, vibrante, recém... dolorido e anestesiado.

E os olhos? Ah, os olhos... já sem prantos, ressecados, apagados.

Olhos sem luz, de quem vive o cruel, face a face, dorme com ele.

Passos curtos e sem pressa, só passos. Indo pra onde Deus?

Eu dilacero, eu multifacetada, me automutilo por mim. Por ela.

Que espécie de mulher eu sou? Que abandona seu grupo

Que luta em salas fechadas mas segue caminho nas ruas...

Que diz que todas merecem ser cuidadas, mas ela vive e só.

Vive por si, egoísta e fechada. Quem sou? Não ela, na estrada.

25.01.2017

Camila Cabral
Enviado por Camila Cabral em 25/01/2017
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