Conflito

O espelho me assusta, me fustiga,
me assombra, quando me olho
e pouco me vejo.

Tento olhar-me no espelho
e não alcanço os meus traços;
miro uma imagem caricata,plena de erratas,
que não me retrata.

Não me reconheço, pareço miragem,
uma réplica malfeita, desgastada de mim,
se parece mas não me refrata.
Aos olhos do eu real, o virtual denuncia a trama:
a imagem não coaduna com o original.

Os olhos, a porta do mundo real,
se enganam, ou o meu eu está pelo avesso?
Saio abatido do espelho, pois não sou eu.
A mão, a barriga, o cabelo:não são meus...
As mesmas criaturas, a real e a surreal,
são antagonistas e se acusam:uma jura que é jovem
a outra escancara a verdade...
E me apontam numa delação temporal.
O portal reflete os novos traços e uma barriga.
Que portal é esse que me nega e macera?
Onde está minha imagem?
O silencio me aponta o tempo na face,
nas mãos, no pescoço
como uma identidade.
Sou jovem... insisto.
Sou até bonito... confirmo.
O silencio do espelho cala mais forte
num sorriso sarcástico...
E as minhas cãs e rugas
confirmam a dor de ser vivo
numa gargalhada abafada e silenciosa.