ELA
Às vezes ela vem de supetão como as chuvas de verão.
Outras vezes vem se insinuando como uma gata
se enroscando nas pernas do dono.
Acontece em qualquer lugar:
na cama, no elevador, no carro, no escritório.
Deixo-me possuir por sua força aparentemente frágil.
Não ouso pronunciar nenhuma palavra
porque ela exige apenas o movimento das mãos
e dos lábios os suspiros de prazer.
No início minha timidez a inibia.
Ela respeitava os meus limites.
Na verdade a sua presença me deslumbrava e me assustava.
Eu mal conseguia respirar, a minha mão tremia.
Sabiamente ela se ausentou por um longo tempo
para que meus dedos se fortalecessem
e eu perdesse o medo de assumir a relação.
Hoje eu gosto quando ela me assalta no meio da noite
e vira meu mundo de cabeça pra baixo.
Ela derrama seu perfume em todas as fendas do meu corpo
assim como a água se infiltra nas fissuras de uma velha construção
e faz cair no asfalto estruturas superadas.
Como dois grandes mestres do xadrez
adiamos algumas vezes o nosso jogo
para aumentar o gozo no final.
Quando ela vai embora abraço de novo a solidão
e contemplo satisfeito o fruto da nossa união.
Registro a poesia em meus cadernos borrados
E espero então a volta da minha musa:
A volta da inspiração;