UM DIA A MAIS OU A MENOS

Se te dessem um dia a mais, o que faria?

Salvaria o gato que subiu na árvore

ou voltaria à aula de religião, que perdeu,

para descobrir por que o Deus cruel

que oficia missa no corpo dos padres

mata e destrói pessoas gratuitamente?

Escreveria aquele poema que sua memória esqueceu,

cheio de melismas, ansiedades, fetiches,

ou, já afeito a renúncias, deporia

seu coração do trono

e usaria a razão para coordenar

os movimentos do amor?

Faria à sua mãe aquele pedido

que pensou não ser necessário,

que explicasse a ti o porque de tantas surras,

diria a seu pai que um menino ainda não é um completo homem,

usaria a borracha da escola para apagar

o nome da menina que amou

e não foi correspondido?

Ou então, feliz com o que teve e tem,

repartiria essas horas com quem pudesse

ter mais cinco minutos para cruzar a fronteira

entre países em guerra,

daria dez minutos àquele que não completou

suas memórias por não se lembrar

do irmão que partiu e sucumbiu

aos horrores das falsas revoluções?

Se te tirassem um dia, o que faria?

Tentaria viver mais intensamente o dia de hoje,

comeria aquele pudim que se furtou-se ao desejo

por se olhar no espelho e ver sua expansão corpórea,

amaria com o ardor de Romeu ou a loucura de Dom Quixote

ou tentaria achar seu juízo nestes tempos de ouro sem pote?