Nós não desistimos nunca

Nem do tapa na nuca,

em dia cada vez mais claro

e, é claro, do policial e/ou do marginal

e a lei continua sendo a do mais forte.

Pra viver é preciso sorte.

Nunca coube tão bem a expressão ‘paciente’,

antes dado somente aos doentes,

mas desde que aderimos aos planos mirabolantes,

para a saúde somos todos clientes.

Há muito que não somos mais regidos pelo amor.

Nos incorporamos -ou nos incorporaram,

aos flagelos do Código do Consumidor

e quanto maior a dor, mais cresce o olho,

numa metáfora ou metafísica -sei lá,

mas somos todos muito pacientes.

Para diarreia beba bastante água de coco,

receita doméstica dos tempos da vovó,

ainda prevalecendo por imposição

e tanta gente sonhando ser doutor.

Um horror, mas nós não desistimos.

Poucos estímulos para o homem honesto

e para a mulher em suas muitas jornadas,

uma danada e essa sim, não desiste nunca.

Pouco trabalho para justificar um ministério,

enquanto o magistrado, equivocado,

depõe contra seus criadores, no magistério.

Somos inconsequentes, mas nos julgamos resistentes

e é por isso que não desistimos nunca,

enquanto o conde Drácula suga o sangue da mocinha

e será que essa é só mais uma cena de ficção?

Somos sonâmbulos e não despertamos nunca

e ainda há um mito de que,

despertá-los, assim, sem mais nem menos,

o susto poderá lhes fazer mal.

Nada mais nos assusta,

Mas mesmo assim, não desistimos nunca.

Onde é que pode caber mais mal,

num corpo tão franzino, como o desse menino?

Mas ele também acha que não deve desistir nunca,

mesmo com o habitual tapa na nuca.

Para disfarçar a má impressão,

alteraram o status de favela para comunidade,

mas são as mesmas necessidades

e ninguém tem vocação para a miséria.

Mas nós não desistimos nunca.

Não desistimos do voto errado,

do candidato disfarçado de bom moço,

da água do poço que nos dão para beber,

da falta de cultura que eliminou o saber,

dessa falsa bravura que sabemos não ter,

mas, acima de tudo,

a pátria continua amada, Brasil.

Não desistimos nunca da nossa arrogância,

da nossa prepotência e da nossa eterna insistência,

em encontrar alguém em piores condições,

mais frágil ou com uma fragilidade aparente,

para aí sim, descontarmos as nossas frustrações.

Nós não desistimos nunca do ódio,

do preconceito e da discriminação.

Mas não desistimos nunca, pois afinal,

somos ou não somos uma nação?

Só os alvos que estão errados

e o nosso veneno, inocuamente destilado.

Não desistimos nunca.

Perdão pelo ceticismo,

mas não creio muito nisso.

Frases feitas, imperfeitas,

afeitas para aquele que é dominador

ou para o agricultor, que semeia a dor

e quer viver dessa colheita.

Nós não desistimos nunca!

Mas somos tão condescendentes,

que não desistimos nunca,

também, nem de quem,

há tempos já desistiu da gente.