Meu querido hospital

Meu coração é uma casa de doentes

Que enquanto a vida não para

Contamos histórias de doendes

Até ver o paciente parar.

Toda possibilidade de cura está esgotada

Nossos estudos agora não servem para nada

Eles me perguntam e eles não cansam de me perguntar

E eu já me peguei quantas vezes à chorar?

Eu perco todo o sentido

E eu me recomponho

Eu perco as pessoas

E eu apenas componho.

Mas como eu posso dizer que não vai doer

Se eu sei que dói?

Mas como eu posso pedir para ser forte

Se eu já perdi a fé?

Venderam a saúde

Por consumo

Venderam a saúde

Por vaidade

Perderam a saúde

Por erro

Perderam a saúde

Por idade.

Eu chorei por alguém que não era nada para mim

Tudo que eu achava que sabia sobre amor se desfez

Eu sorri por alguém que não era nada para mim

Tudo que eu achava que sabia sobre felicidade se desfez.

Imagens que não saem da minha cabeça

Imagens que não saem do meu coração

Imagens que não saem da minha alma

Imagens que me trazem compaixão.

Quanto mais eu canso

Mais tenho que me doar

Quanto mais dinheiro eu ganho

Mais vidas vejo se entregar.

Ah, se da minha insônia soubesse

Ah, se minhas múltiplas dores eu dividisse

Ah, se com meus olhos visse

Ah, se...

Eu fiz o que eu pude fazer

Mas mesmo assim o paciente do leito 145 veio a falecer

Eu nunca mais vou esquecer

Aquela mãe gritando aos prantos que eu não fiz tudo o que eu podia fazer.

Eu queria sair para me divertir

Sem me pegar pensando nos meus pacientes

Eu queria sair para me divertir

Sem olhar para um mendigo como se fosse um paciente

Eu queria sair para me divertir...

Mas afinal um estuprador de crianças merece a cura?

Mas afinal um estuprador de crianças merece o mesmo tratamento?

Eu torci pela cura daquele estuprador de crianças

Eu dei o mesmo tratamento dos outros para aquele estuprador de crianças.

Talvez eu seja um mostro

Mas dizem que somos capacitados

Talvez eu seja um louco

Mas dizem que somos corajosos.

Entenda meu motivo ou não

Minha profissão é minha função

Entenda meu motivo ou não

Minha profissão é a minha razão.

Jonas meu paciente irrecuperável

Tinha mínimas chances de cura

Jonas meu paciente irreconhecível

Como num filme sua primeira palavra foi chamar pelo meu nome

Jonas meu paciente inesquecível

Pois antes de ir embora me procurou para agradecer.

Eu queria ter mais alma

Para não pedir para um paciente terminal calma

Eu queria ter menos alma

Para sair daquele quarto sem nenhuma gota de lágrima.

Meu corpo me pede pausa

Minha alma me pede calma

Meu cérebro me pede tolerância

Minha razão me pede lógica

O tempo não para.

Às vezes eu acho que nasci com um pouco mais de raça

Outras vezes acho que nasci com um pouco mais de loucura.

Desde o início eu já sabia que veria graça em hospitais

Só não sabia que o mesmo tiraria toda minha graça

O coração de uma criança e a frieza de um bandido

Talvez eu tenha me corrompido

Mas eu também tenho crescido.

Ingenuidade minha né

Pedir de Deus um hospital melhor?

Minha gozada fé...

Sandy Lopes
Enviado por Sandy Lopes em 01/10/2018
Reeditado em 01/10/2018
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