Adeus Minha Senhora (ou Ode aos Desvalidos)

Se vós ainda tendes dúvidas de quem sou e os meus então lhe direi Minha Senhora:

Somos os que bebem

Os que sofrem

Os que choram

Esses somos nós Minha Senhora

Somos os traídos

Os que são iludidos

Os que são punidos

Esses somos nós Minha Senhora

Somos os que desistem

Os que não insistem

Os que nada decidem

Esses somos nós Minha Senhora

Somos os que são abandonados

Os que são maltratados

Os mal amados

Esses somos nós Minha Senhora

Somos as mães solteiras

Os pais ausentes

Os filhos insolentes

Esses somos nós Minha Senhora

Somos os que estão do outro lado da cidade

Do outro lado da felicidade

Do lado frágil da equanimidade

Esses somos nós Minha Senhora

Somos os que ficam, nunca os que vão

Os que esperam, não os que fazem esperar

Os que engolem em seco, não os que fazem engolir

Esses somos nós Minha Senhora

Somos os que se alegram com pouco, porque nunca tivemos muito

Somos os que só se entristecem com muito, porque a dor nunca nos vem aos poucos

Somos os que ficam de fora, no entorno, nos fundos, porque nunca somos convidados a entrar

Esses somos nós Minha Senhora

Somos revoltados, mesmo sem termos vivido a Justiça

Somos invejosos, sem mesmo saber o que é cobiça

Medrosos, mesmo sem entender o significado de coragem

Portanto, não se assuste Minha doce Senhora

Quando nos embriagamos

Quando aparentamos não sofrer

Quando as lágrimas não escorrem

Se, por acaso, trairmos

Iludirmos

Ou punirmos

Se decidirmos

Insistir

Em não desistir

Se abandonamos

Quem nos maltratam

Os que não nos amam

Se cruzarmos a ponte

Em busca de felicidade

Mesmo que apenas na dignidade

Se depois de muito esperarmos

Resolvermos partir

Para não mais engolir

E quando partirmos, Minha linda Senhora,

Não nos guarde rancor nem te sintas culpada,

Não foi vós, Minha Senhora, que nos fez partir,

Fomos nós, apenas nós cansados de sermos nós mesmos…