Jasmim Azul

Fantasio-me-algo.

Meu canto são contos que reconto.

E para dormir conto diálogos pulando Deus.

Chego a pensar até que sou mais estória que Eu.

Queria mesmo ser sem narrar,

E mais ainda, deixar de narrar Ser.

Um livro ilegível segue sendo livro, afinal.

Essência não pode resumir-se ao ler.

Maldito outro que me força a dar forma

A coisa que nem se fez ideia ainda.

Conjugo-me em tempos que não habito,

Adjetivo-me sempre de forma finda.

E como toda Estória tem começo, meio e fim,

E coesão é fundamental aos leitores,

Torno-me segundo ato de peça mal traduzida do ‘mim’,

Memorizo-me em falas e nomeio minhas cores.

Que justifica, pois, a hierarquia da realidade sobre a fantasia?

Que direito tem a vida de me escrever?

Por quê a língua dela é superior à minha?

Seria Eu se não pudesse contar-me-ser?

Atlas do ego, a palavra, sustenta o existir.

Sem ela [ . ]

E se Héracles que é semideus devolveu assim que pôde ao Titã tal fardo,

Posso eu, mortal, carregar o peso de ser sem algo.

Sei que sigo sendo narrativas,

Inconscientemente sublimando torpor.

Quiçá se um dia aprendo a ler minha língua,

Traduzo-me enfim em texto melhor.

Rob J Cole
Enviado por Rob J Cole em 27/08/2019
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