A galáxia não nos pertence
A galáxia não nos pertence,
única mulher que sou capaz
de amar
neste pequeno
fragmento
azulado
no meio da poeira
no meio da ciência
e no meio da guerra
A galáxia não nos pertence
e ainda assim
insistem
que pertençamos à estilos
movimentos
costumes
e não a nós mesmos
em nossa própria cultura
de não ter cultura
material e finita
A galáxia não nos pertence
nem o sol
nem a lua
e provavelmente
nem o amor
que sentimos
e que demonstramos:
esquecemos
a estrutura fundamental
de nossas células
e átomos
e a nossa maneira
de viver sob o azul
e sobre a terra
em meio à divisão social
e das opiniões
que convidam ao ódio
ao terror
ao sangue
– este líquido
que fora do corpo
não mantém vida,
mas mancha
o que toca
A galáxia não nos pertence
e as constelações
perdem seus nomes divinos
para nomes ligados à números
e a um alfabeto
que pode anular o meu nome
e o que sinto
explicando de maneira
não emotiva
nem profunda
– um dia
tudo isso
será coisa
com coisas em volta
no meio do nada
A galáxia não nos pertence
nem o doce
nem o azedo
nem o belo
nem o vulgar,
nascemos nisso
– num século errado
indiferente
devastado pelo silêncio
e pelos desencontros
em excesso:
as águas da chuva de ontem
se colidem contra o meio fio
não tão recente
não tão velho
e o tempo
por si só
é sem vida:
nunca será o tempo
de amar
A galáxia não nos pertence
somos crianças
comparado com o tempo
lá em cima
com o tempo das estrelas
dos planetas
e dos sistemas:
vemos minutos do que era o sol,
estamos atrasados
em nosso próprio
encontro
Defronte da janela
que está defronte do telhado
da casa vizinha
que está defronte do céu
que está defronte dos anos-luz,
o que está mais adiante
desconheço
e provavelmente
nunca saberei
o que há:
meus anos humanos,
meus
anos
humanos:
a vida pode ser realmente
seca
A galáxia não nos pertence
e o dia clareia
entardece
e escurece
e repete o ciclo
sem necessidade humana
– o ciclo da vida
também
não nos pertence:
vivemos
aprendemos
amamos
e acho
que após o amor
nada mais tem
significado