caule de fumaça
De todas as pessoas
presentes,
tu és a única
que me rouba
a atenção
sem nenhuma
artilharia
Eis o meu medo
e meu segredo:
gostar de alguém
que não sabe
das minhas emoções
nem provavelmente
a nomenclatura
que me aloja
feito uma ferida
numa família
que nesta cidade
nascera
Não sei se a palavra
gostar
se encaixa
corretamente
e profundamente
no
contexto
em que ambos
existimos:
com corpos distantes
e com o meu peito
desejando
perder-se
nas tuas mãos
e encontrar rumo
nos teus lábios
desprovidos de
regras
que refletem o clarão
do horizonte
com tal
calma
que gostaria de dormir
e de nascer
em tua
estrutura orgânica
e simbólica
deduzida
corpo, racionalidade
e relâmpago
Memorizo teus passos,
não te encontro;
memorizo
individualmente teus cabelos,
não percebo que
mudaram de cor;
memorizo tua voz
que atravessa meu tecido,
estremeço;
memorizo teu olhar
raro
mandado
ao acaso
para mim,
e isto
parte
a minha alma
feito um eco:
e o teu sorriso
que parece não ter origem
de mim
me cura,
estranhamente
me cura
Oculto na geometria
dos teus óculos para
a vista
– embora a tua vista
me encante:
o cotidiano gira
como uma primavera
a germinar no ventre
de Gaia;
o cotidiano gira
como as múltiplas origens
e significados do nome
da cidade
onde nasci
Gira teu ser,
gira tuas vestes que
iluminam
o dia gentil,
gira teus cílios,
gira teus olhos
e não sou visto por ti
como vejo a ti em tua
profusão e enigma:
a isso dou o nome de
expectativa obliterada;
a isso dou o nome de
morte além indivíduo
Gira o próprio mundo
coletivo de ideias
provisórias
e crio-me em ti
e contigo
na imaginação
do deserto,
pois sonhar
é preciso
pois iludir-se
é preciso
ainda que uma banana
e uma pera
apodreçam
na quitanda
com um comerciante exilado
que chora
diante do meu desencanto,
pois exílio e desencanto
são palavras próximas
– embora estejamos
distantes –
diante d'um contexto
onde se avalia
o que perdera