cordilheiras humanas

1.

Novembro vibra

e se despe em mim

através

de duas cores:

azul

para o céu

da cidade

fundada

em 1719

e o roxo

para as mãos

que dão funções

às ferramentas

às quitandas

e ao comércio simples

de onde

se retira

o sustento

– que por sinal,

é pouco

que por sinal,

é devorado

2.

Quase nada sobra

para sobreviver

aos dias que

chegarão:

pois não ganhamos

dez

vinte

trinta

quarenta mil

por mês

3.

Pagamos impostos

de milhares

enquanto o

desemprego

reside

na casa

dos milhões;

pouco recebemos

do suor nosso

e quase tudo

perdemos

nas outras

mãos:

somos os

esquecidos

vivos,

lembrados

apenas

nas épocas

de eleições

4.

As quitandas

são verdes,

não como

a Amazônia

não como

a justiça

– esta última

tiraste licença

há muito;

são apenas verdes

como o sonho

de cada cidadão

e comerciante

que não reside

a casa

da alegria

5.

a desigualdade

a cegueira

a violência

a indiferença

o alto imposto

a liberdade pequena:

Planet Earth

is blue,

and there's nothing

I can do

6.

As quitandas são verdes

e algumas flores

e alguns legumes

e algumas frutas

se camuflam

no agrotóxico

e me beijam

com inteiro

sofrimento:

nada digo

da minha descrença

futura

e nada sussurro

sobre a

transitoriedade

de tudo o que existe

e nos circula

como

um enigma

7.

Levo a chaga do beijo

e deixo

o fracasso

de todas

as minhas

tentativas

8.

Somos o mundo

profundo:

e não é correto

dizer que um

domingo

se resume

à quitandas

e à

cosmologia

do infinito,

porque há um calor

e uma satisfação

íntima

ao sentirmos

que pertencemos

à aqueles

que

labutam;

diria que há uma

sensação de União,

diria que há uma

sensação de Igualdade:

de sermos abraçados

por cordilheiras

verdadeiramente

humanas

quando nos olhamos

com os olhos

da alma

e abolimos todos

os pecados de

grandezas sociais

9.

Renascemos a cada

colisão de ondas:

somos o povo

e nos misturamos

nos corpos,

no verbo,

no sotaque – este

caloroso

abraço

da linguagem

10.

Juntos

brilharemos

como a cauda

da canora

descoberta

de

Edmond

Halley