UTÓPICO

UTÓPICO

"A riqueza e a liberdade tornam as pessoas menos tolerantes com as ordens duras e injustas

enquanto, por outro lado, a pobreza e a miséria embotam o espírito,

tornando-as pacientes e retirando do oprimido o espírito orgulhoso da rebeldia."

por Thomas Morus, in UTOPIA

Enquanto entre oprimidos e opressores

Se dividirem tantas sociedades,

A Ordem que promovem os senhores

Sustentar-se-á com vis desigualdades.

De modo que os maiores e os melhores

Vivam com numerosas propriedades.

Os demais, que disputem pelos restos:

Míseros, remediados e modestos...

Pouco importa onde vão morar os pobres,

Como vivem e mesmo do que morrem.

Apenas os burgueses feito nobres

Obtêm dos reis as leis que lhes socorrem

E muito satisfeitos com seus cobres,

Das agruras da vida sempre correm

Até pensarem ser inalcançáveis

No topo de pirâmides instáveis...

N'algum lugar, porém, no tempo ou espaço

Haveria aquela ilha afortunada,

Na qual nada é sobejo nem escasso.

Onde prata não é valorizada,

Nem ouro ou cobre trazem embaraço.

A riqueza não vale quase nada

E os habitantes vivem sem conflitos,

Tendo tão-só na Ciência os olhos fitos.

Não cuidam em possuir grandes vantagens

Tampouco se acumulam privilégios.

Buscam mais conhecer em longas viagens

Alheios de quaisquer favores régios,

Ao explorar remotíssimas paragens

E abarrotar de livros seus colégios

Onde gastam a vida em aprender

Ao invés de mais prazeres a entreter.

Eles têm a paz como ideal superno;

A guerra, como estúpido flagelo.

Evitam relações co'o mundo externo

E ainda de conquistas vão anelo.

Contudo, obcecados co'o moderno

S'esmeram em buscar o bom e o belo

Em todos os aspectos da existência,

Submetendo seus feitos à consciência.

Cultivam em seus modos o respeito,

Mas têm da intolerância tal horror,

Que julgam toda forma de despeito,

Verazmente, com máximo rigor!

Visto que retratar-se d'um malfeito

É dever de todo homem de valor.

E há tal entendimento entre os ilhéus,

Que vivem a admirar o mar e os céus.

Os mais afortunados por entre eles

Cuidam em reverter ao bem comum,

Provendo-se de bons panos e peles

E garantindo a todos desjejum,

Se ajudam, do doutíssimo ao mais reles,

Sem que ninguém esqueça de nenhum.

Em busca do progresso, todos juntos,

Debatem com saber os seus assuntos.

Uns haverão chamar de Comunismo

A Ordem d'este arquipélago utopista;

Ou denominará Distributismo

Se for mais religioso que sofista

O crítico que, diante d'um abismo,

Na tal Terceira Via ainda insista...

Efetivamente, esta sociedade

É o sonho de toda Humanidade...

Não admira que um mar indescoberto

Banhasse as suas praias ignoradas.

Cercada d'um vastíssimo deserto,

Embora de águas quentes e salgadas.

E que mais ninguém saiba bem ao certo

Se foram ou serão mais navegadas...

Resta como o relato interessante

Que um dia fez a um sábio um navegante.

Belo Horizonte - 02 12 2019