[ sem título #20 ]
I.
no calor do apagão,
suando como em dia,
a escuridão sussurra
seus grilos
y seus cães.
II.
possíveis velas
serão acendidas
— não se olhará as
estrelas,
porque o horário
nos faz
questionar
sua segurança.
III.
as falas humanas
ficam caladas
— entre
o sossego
y a irritação —
y a aguardarem
a Energisa à serviço,
pois
a Energisa
da cobrança
— da fatura
mensal —
sabem
as tantas casas
deste bairro.
IV.
exceto as
casas burguesas
com suas cercas
y muros.
estas dormem
a desconhecerem
o sal do suor
y dormem isentas
das preocupações
das longas filas
e dos demorados
processos
de
[não]contratações.
V.
o Brasil do bairro,
não é o Brasil dos investimentos
não é o Brasil do emprego disponível
não é o Brasil do salário justo
não é o Brasil da classe igual
não é o Brasil do sono e do sonho
e do orgulho
não é o Brasil da propaganda
vendida à outra América.
o Brasil do bairro,
é o Brasil que se conhece no tombo
no tropeço na queda na dívida
nas histórias de perdas
nas lágrimas que se misturam à lama
nas lágrimas que se misturam à urina
— onde os corpos se afundam
y sofrem com os seus e as suas
nas insônias nas preocupações
na revolta
VI.
por fim, o Brasil do bairro,
escapa à ilusão
de que na pobreza
no escasso
no pouco y na falta,
se encontra a alegria
necessária;
quando de fato, pelo bairro,
há este apagão
y o ruído dos motores
avançando a avenida
com suas torres novas
que eu
não saberia dizer se resistirão,
porque olhando-as de perto,
estão quebradas y enferrujadas
y sujas
VII.
casas burguesas
— cercadas casas burguesas
[cercadas
[protegidas da nossa pobreza]
] —
decerto dormem tranquilas,
enquanto a energia nos retorna:
levando o apagão
mas não a indignação:
porque o preço da carne do gás
da energia da água
do pão y da vida:
tem me feito acreditar,
que aqui,
salvam-se os cargos
y os seus auxílios
mas jamais mas jamais
mas jamais a população.
esta que se adapte à desigualdade
y às leis de extração.