A alma no espelho

Caso já tenhas se sentindo só na imensurável imensidão cósmica; saibas que através de ti, ela se revela, portanto conhece-te a ti mesmo.

Há tempos sentia-me assim, e vaguei por entre as ruas com muitos olhos a fitarem-me erroneamente.

Sentia a timidez roer-me a epiderme

enquanto observava um mundo consumido por aparências.

As máscaras jaziam impregnadas

na essência de cada um; e já não era concebível diferenciar a máscara do rosto humano.

Em que ponto a performance acabava para que o indivíduo atuasse na liberdade?

Sob as máscaras muitos escondiam

teus despojos, outros se protegiam,

mas a maioria esquecia-se de si; aos poucos sugando-se para um abismo desfigurado no fundo de uma superfície mascarada (...)

A escola desperdiçou-lhe.

Os espaços sociais o suprimiram.

E tu viera a dilacerar o próprio corpo frente a um espelho distorcido por ideais estéticos inalcançáveis.

Com o eu-lírico ocorreu o mesmo.

E por tal sina, abdiquei-me de tudo o que costumava ser.

Em certa noite evanescente

pincelei um autorretrato;

Nele aprisionei minha alma

nas molduras da solidão.

E deixei-me entre as sombreadas tintas do abandono.

Ali fiquei terrivelmente só.

Tal foi o meu pacto com a sociedade

Uma alma artística jazia aprisionada em meu porão.

Para que eu vagasse com uma máscara que dava-me o ar simétrico que o mundo exigia.

Embaixo dela eu morria todos os dias; e em meu porão reiterava-me com a fagulha de vida oculta em mim.

As tintas do quadro umedeciam

meus pulmões; e continuei a retoca-lo todas as noites. Respirando a arte e a filosofia;

Para ressucitar-me fora de mim.

Com o passar do tempo abandonei

o quadro, e jazia totalmente entregue ao que eu chamava de vida.

Foi quando em certo dia decidi retirar a máscara em frente ao espelho; e vi o mais fundo vazio.

Meu rosto era o retrato do nada.

Ao olhar o quadro, minha imagem jazia atrofiada pelo desespero.

Em que mundo se perdera, ó alma sem destino?

E é assim que muitas vezes nos sentimos: pertencentes ao nada. Então bradei: criarei um mundo para pertencer.

Afundei-me noites afinco para produzir outro autorretrato.

E quando o finalizei; vi meu próprio rosto turvo pelo expressionismo que adormecia em meu ser.

Já não era o rosto simétrico que o espelho era incapaz de penetrar. Era a fisionomia expressiva da vida, que confundia-se com a arte.

Eu já não podia fugir de mim.

Olhei-me ao espelho e tive um estranho êxtase ao ver meu verdadeiro rosto com os meus próprios olhos.

Desde então sou o nada que para o tudo retornastes (...)

Letícia Sales
Enviado por Letícia Sales em 05/02/2021
Reeditado em 05/02/2022
Código do texto: T7177294
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.