Poesia - Yin e yang
E fez Deus a separação entre a luz e as trevas. E Deus chamou à luz dia; e às trevas chamou noite."- Gênesis.
Outrora um deus encontrava-se com uma enxaqueca que dilatava o seu crânio e estava prestes a dilacera-lo ao meio.
O deus conturbava-se mediante a complexidade da vida que havia criado, e sentia que os mistérios habitavam no mais fundo subsolo de sua cabeça.
Ao olhar ao seu redor, ele não podia reconhecer e suportar a mistura indistinta entre as coisas, e as formas densas que haviam saído de si.
O mundo revelava ser o vômito expelido do âmago de um deus repleto de conflitos entrelaçados em uma substância amorfa.
E o universo mostrava-se como um amontoado de estrelas mal digeridas, ou pontos luminosos no céu de um passado anterior a própria vida.
O deus guardava dentro de si uma mulher incapaz de silenciar-se, e embora ele se recusasse a integra-la junto a sua natureza. Com muita constância ela manifestava-se dentro de cada elemento da criação.
Ao ver o reflexo de sua mulher interior nas coisas que criara, o deus decidiu esquarteja-la e esconde-la dentro das bagagens do tempo, mas ela permaneceu a transpor seus fragmentos por sobre os moldes da vida.
Durante o esquartejamento, o deus não conseguiu esfacela-la sem fazer o mesmo consigo, e desmembrou a si mesmo, ao separar o mundo em duas partes intocáveis.
Seus olhos haviam perdido a conexão com as cores da existência, e o mundo tornara-se um reflexo de suas retinas preto e branco.
Tudo jazia encoberto na mais ríspida neblina de apatia; e cada fragmento daquela entidade espalhou-se por entre a razão de todo humano que na terra pisaste, sendo cada um capaz de encontrar os membros daquele deus a pulsar dentro de si próprio.
Desde então, nós seres ludibriados por nossa humanidade fustigada, carregamos os resquícios conflituosos daquele deus, de forma a tentar sufocar e separar em polos opostos toda a completude que adormece em nosso ser.
"Mutilarás a mulher ou o homem que vives em ti, e tudo aquilo que difere-se de sua designação biológica, morrerás em sua escassez desértica; haverá luz e sombras, e tu deverás esconder-se das sombras, deverás trajar-se com uma única cor ou partido; e o Oásis mais fundo que expandirias tua consciência, permanecerás escondido em tuas ilusões."
Assim dizia a poética do deus preto e branco;
E há uma vaga concentração infinita
Entre o parto da semente e o putrescente desvanecer da árvore. Entre a ejaculação luminosa de um dia,
E a gestação de um feto noturno em sua formação oculta.
Há em cada intervalo um sutil influir das formas internas; um misterioso movimento crepuscular, que faz nuances entre a luz e a escuridão;
Nesse ínterim as cores diluídas entre o branco e o preto ganham forma, ali escorre o sulco da alma de todos os que procuram manter-se cada vez mais inteiros, sem esquartejar as variadas expressões humanas.
Este ínterim é a zona em que as estrelas do tempo se encontram na mais sublime constelação das expressões de um universo que somente a ti caberás a criação.
E no dia em que enxergar os diversos nuances da vida; decerto perderás os olhos que lhe foram talhados em preto e branco desde a criação.
Novo Instagram de poesias: @hecate533