Poética - Fantasmagoria

Um sentimento ilegível desprendeu-se de obsoletos afetos soterrados e vagueou latejando nos breus da minha alma.

Tal fantasma de eras ultrapassadas exilou-se de sua interioridade tão mais vasta e rica para flutuar em direção a uma realidade empobrecida.

Pôs-se a caminho da concretização, mas no fim só a vaga transparência nele se refletia.

Se eu fechasse os olhos, o meu crânio era como uma alcova escura e agitada, pois algo observava-me pelas frestas das minhas crises.

Era ele a divagar em meus neurônios com seu desejo de encarnar nas coisas e fazer-se humano após o longo exílio de sua forma.

Diáfano, e em conformidade com as águas do oceano mais cristalino, tuas profundezas etéreas a realidade enudecia.

Nas ondas do destino, a visão usual das coisas agonizava até boiar inerte em direção a superfície lúcida da verdade.

Eis que através de sua figura, o retrato do mundo emergia (...)

Dentro de mim ele se fez;

uma pérola advinda da cristalização de todos as minhas dores abafadas.

Uma forma tão mais genuína,

mas tão substancialmente oculta.

A antítese, cuja natureza se opõe a tantas vãs certezas que criamos.

A aparição de meus devaneios

é o fantasma de um suicida ironicamente apaixonado pela vida; É a percepção retida em seu ermo retiro.

Meu fantasma atravessa corpos para sentir o tépido amparo da vida, algo que nunca sentiu quando a tinha em suas veias.

És o miasma incômodo a soltar-se de cadáveres gangrenados pelo vazio (...)

A figura tão alheia deseja pertencer, mas a quem e ao que? Se a verdadeira expressividade não anima corpos consumidos pelo parecer.

Tu, fantasma, entendes de ser.

Carregas em ti a transparência da vida.

O desejo pelo que morreu lapida sua forma informe, ao passo que, o drama humano para sempre flutua em suas incertezas.

- Letícia Sales

Meu Instagram literário: @hecate533

Letícia Sales
Enviado por Letícia Sales em 05/02/2022
Reeditado em 03/03/2022
Código do texto: T7445083
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