Meditações sobre quem somos!

Somos os filhos deste eterno tempo envaidecido:

Tempo que gera outros tempos: filhos adormecidos.

Somos sombras corpóreas que falam e se calam;

Somos os pés que nunca entram duas vezes no mesmo rio

(se é que entramos no rio: as águas do devir neste tempo de cios.)

Somos o beijo que ama e que também trai o ser amado;

Somos miúdos impúberes que querem ser adultizados,

E adultos que gostariam de voltar a ser miúdos abajoujados

(Filhos bipolares de um Romantismo inconfessável.)

Somos o amigo que abraça o outro tão fidedignamente,

E que macula a vida do outro amigo com palavras indiligentes;

Somos mentirosos que dizem amar a verdade a qual liberta;

Somos adúlteros ao trair a nós mesmos diante da porta aberta.

Somos cristãos que condenam ao inferno ou à heresia

As crenças dos demais com as nossas doutrinas e mitologias.

Meros cristãos que dizem amar a humanidade

(mas a humanidade é só um conceito abstrato, não é em si uma facticidade).

É impressionante o quanto amamos abstrações conceituais!

Somos o trabalho rotineiro de Sísifo: triste, chato e sem sentido.

Somos amantes cobiçosos, cheios de volúpia e desleais;

Somos mulheres insatisfeitas ante esses homens triviais.

(A prostituta é mais sincera e verdadeira

no ato de amar e cobrar pela paixão, que apazigua e incendeia.)

Somos fantoches de nossos desejos, taras, paixões e virtudes.

Estamos condenados à liberdade ou às lassitudes?

(Ou existem as moiras, ou o destino, ou a contingência,

ou o livre-arbítrio; entretanto, não importa quem seja: somos barco sem remos, velas, bússolas ou faróis

Que vaga nos mares dos ab-surdos rouxinóis.

(Ou Deus não soube criar direito o homem e seu precioso mundo,

ou homem não soube nem mesmo criar um deus coerente e jocundo.)

Somos o inútil rio cheio de seixos e sonhos, rio derivado

Rumo ao mar. A sombra e os imprevistos o têm cercado,

E tudo ao redor nos diz “adeus”. Cedo ou tarde, somos abandonados.

A vida é uma legião de soldados que luta e não perdura;

O coração é uma criatura frágil, sonhadora e quebrável

que ainda ama, ilude-se, chora e, mesmo assim, dura!

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 23/11/2022
Reeditado em 24/11/2022
Código do texto: T7656120
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