"O que eu irei deixar?"

Sentado na varanda em uma cadeira de praia,

Bem como em uma praia qualquer.

Há 2 anos e embora muito se mova, pouquíssimo muda.

Sigo incurável nessa cadeira

Lendo os últimos poemas de Neruda, meu xará.

Querendo escrever coisas sobre navios, vícios, vazios,

Mas tais temas não me comovem.

Pensando em vícios tenho sensações

Que suspendem arrependimentos tardios.

Sobreviver é o percalço da vida

À qual navego ainda sem ter onde aportar

Vazio de um jeito, vazio de um lar.

E a abstinência consequência de estar sóbrio

Um passo ainda distante pra considerar vencido.

Falta compreensão e estamos sozinhos,

Ainda que lado a lado ou empilhados

Uns sobre os outros.

Fumamos e partilhamos prazeres intimamente imateriais.

Não há o que alertar sobre o fim,

Não existe acontecimento significativo qualquer.

Apenas pedras e poemas e o que mais perdurar

Pra além do tempo cabível ao silenciar de um último suspiro.

"E se o céu for apenas céu?"

Questionamento lúcido de uma vida.

Sentindo as nuvens soprando o vento morno

Sob um teto intenso e nublado.

Céu esse palco de talentosos pássaros

Monocromáticos incansáveis acrobáticos

Onde a refração expõe as linhas tristes do arco-íris.

Diferente das relações em que o espetáculo principal

É invisível aos olhos alheios.

Uma felicidade relativa preenchida em geral

Por feitos supervalorizados.

Descontentes, iludidos

Perda e ganho o tempo inteiro.

E já não são mais pássaros, agora raios

Por fim pinturas todo fim de tarde

Em tons lilás e laranja de verão.

Incontáveis pinturas que me agradam

Permitindo um contemplar profundo

Daquele instante de alívio

Bebendo ainda meu café

Querendo ainda esse algo mais

Acompanhando a chuva descer

Em pingos espaçados forjando o degradê.

É hora de me recolher

Sem pensar no que eu irei deixar

Quando a vontade do tempo vencer.

Pablo Machado
Enviado por Pablo Machado em 22/03/2023
Código do texto: T7746342
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