Poética - Epoché

"Num ateísmo de mim, descri de minha própria existência, mas deixar de acreditar-me não cessou o meu existir, apenas me fez vagar no escuro de minhas emoções sem ao menos senti-las desfigurar-me e alterar-me por dentro."

Ah, quando o universo não tinha forma, o conceito de tudo jazia petrificado em meus olhos, e o reflexo da existência perecia em meus sonhos.

A vida era apenas uma possibilidade entranhada no breu das minhas artérias.

E se eu existia, já não sabia, pois as coisas não se apresentavam a mim.

O vazio de um Deus habitava toda a circunferência da minha psique e deixava estéril a minha criatividade.

Ah, no mundo sem espelhos, a única forma de refletir a si mesmo era através do olhar alheio.

Doravante, ao passar pelo prisma de olhos que não eram meus, o estrabismo da existência extraviava-me de mim.

Assim era antes de eu existir.

Para então criar um universo no vazio dos meus próprios olhos, tive que suspender todas as distorções e preconceitos que outrora absorvi em miopia.

Tive que despetrificar-me dos olhos alheios para reanimar-me em meus próprios moldes e deixar-me nascer em minha própria visão.

Um fluir sem substância irrompia no fundo da superfície facial e minha evocação erguia presenças antes não vistas.

- Nervos, músculos, sangue, sinapses e sensações regiam a matéria prima do meu universo de vísceras tão suscetível ao bombardeio das emoções -

Numa desfibrilação, moldei-me a minha própria imagem, dando vazão as pulsões mais íntimas, e não sendo nada, tornei-me alguém por entre as subtilezas terríveis das abstrações.

- Letícia Sales

Instagram literário: @hecate533

Letícia Sales
Enviado por Letícia Sales em 13/06/2023
Reeditado em 05/11/2023
Código do texto: T7812793
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