MEU GRITO - I

Aqui estou eu mais uma vez, só que agora pra falar comigo e de mim.

É que nem sempre eu tenho tempo pra perceber que sou o meu maior leitor e que em meio aos desnudos versos que me fazem espetáculo de um show que nunca enceno, é sob o meu olhar que adormece o capítulo de minha alma que somente eu consigo ter acesso.

Até hoje não achei nenhum espelho com o nível de fidelidade que almejo, ou seja, aquele que verdadeiramente me apresente a mim, que se recuse a desfilar perante meus olhos ansiosos essa caricatura tingida de ilusões que me tornei. Um dia eu pretendo ainda verdadeiramente me ver.

Mas enquanto isso não ocorre vou escalonando esses mirantes surreais, onde me espera no último andar um baú repleto de felicidade e alguma consideração pelo que o fracasso até aqui não me permitiu ser.

Homens como eu chegam ao mundo sem mandar aviso prévio, o que é absolutamente compreensível, pois meu oxigênio é carbônico demais, sem falar que minha expiração anda poluindo a atmosfera decomposta, que se recusa aos aromas de um ar sem peso e sem átomos nobres, como o meu.

Homens como eu enxergam o que ninguém mais vê, escutam conspirações gritadas no silêncio, radiografam intenções infecciosas e captam vibrações negativas que residem nos discursos positivos. Homens como eu são ultrassons, ressonâncias e infravermelhos geradores de pouquíssima amistosidade alheia.

Homens como eu são preteridos, defenestrados, achincalhados, deletados pela tecnologia do arcaico e indeferidos pelas mais antigas ações dos dias modernos e atuais.

E se ninguém souber do que eu falo e a que me refiro, eis a minha réplica: quando foi que souberam? Quem me leu de fato até hoje? Quem viu minha verdadeira face? Quem dentre as milhões de flores que doei, achou por bem me negar seus espinhos e tirar férias de seu próprio egoísmo para fazer um passeio pelas praias de meu coração?

Ninguém...absolutamente ninguém!

Eu não quero a poesia por poesia. Quero sua seiva, quero fraturá-la em sua mais exposta essência, detê-la com a violência e a veemência de uma alma sedenta e estancar seus mares doces de verdades mentirosas, pra que escorram por minhas mãos essas injustas lágrimas que açoitam meu rosto nas mesmas madrugadas em que o mundo adormece e me ignora!

E por falar em mundo que adormece, vejo pela janela que o dia já amanheceu. Lá vem o sol com sua nuvem escura, batendo à porta e perguntando se estou em casa.

Vou dormir.

Ou será que nem isso posso?

Reinaldo Ribeiro
Enviado por Reinaldo Ribeiro em 02/08/2008
Código do texto: T1109278
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.