MEU GRITO - III

As forças já se esvaíram. Nesses instantes até elas costumam me abandonar.

Eu vou manter o meu destino de arquiteto da felicidade coletiva, porque eu não nasci e nunca me propus a ser desagregador.

Meu grito pede perdão a todo o bem que não fiz, a toda estrofe animadora que deixei de construir, a todo bem querer que fracassei ao pretender lhe traduzir.

Que me perdoem as nuvens pelos temporais que lhes dei por herança, as flores que receberam na leveza de suas pétalas o meu involuntário pingo salgado, os corações cujo endereço eu nunca encontrei e as feições carentes que jamais se abrigaram em meus abraços.

Perdão a mim também, pois três décadas de vida me foram até aqui oferecidas e eu ainda não me encontrei!

Eu começo agora a dar adeus à transbordação de sentimentos e sensações que me assediaram, me espancaram e agora partem para mais uma aventura sob os auspícios de outras lavras, sob a jurisdição de outros olhares e sob a lavra de talentos mais evidentes que o meu.

E que seja assim!

Que minhas letras criem asas e se libertem de mim. Que plantem amores nos corações, que fortaleçam a fragilidade de alguns, que conspirem a favor de sonhos, que inspirem outras letras, que embalem casais felizes, que salvem casamentos, que oficializem fracassos maquiados, que justifiquem lágrimas doces, que curem chagas na alma, que finalizem guerras imbecis, que declarem guerra à falta de indignação, que enfeitem o caderno rosa da menina sonhadora, que adornem o site da moça romântica, que inspirem o conquistador de pouca audácia, que visitem os sonhos meigos, que pintem de azul a realidade de milhares, que perturbem os burgueses, que atordoem as autoridades, que incomodem as nações, que beijem as mãos de Deus e que num dia qualquer desçam à sepultura junto a mim!

Porque pouco se me dá qualquer interesse de vanglória, qualquer luz que me iluda a ver algum encanto sobre mim, qualquer virtude que se realce e fulgure à sombra de meus infinitos erros, porque eu sou poeta e tudo que me faz melhor não está precisamente em mim, mas no pouco talento que me inunda!

O dia já está virando as costas para mim.

Logo mais virá a tarde, que igualmente vai perder o cetro para a noite...

Que se amem as forças atrativas, que se ajustem os desacertos da alma, que se recriem as sementes pisoteadas, que a sorte massacre todo infortúnio e que o meu grito seja capaz de pelo menos te dizer: eu te amo!!

Reinaldo Ribeiro
Enviado por Reinaldo Ribeiro em 02/08/2008
Código do texto: T1109365
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