O mundo está funcionando

As cobertas me prendem ao conforto suicida,

uma dor rotineira estala em minha espinha,

abre-se a janela e o existencial desafio

mostra-se inumana zombaria.

A sala me sufoca, a cozinha me engana.

Meu banheiro, templo de purificação,

não mais me purifica.

Meu corpo – correntes que me deleitam

não acusam deleite na solidão.

Não tenho controle sobre o que não criei;

o não-criado aponta em mim a culpa.

Culpam-me o céu, a terra

e as criaturas.

Em todo o lugar,

sobre mim se estende o manto escuro

da força organizada de exclusão...

Quem pode andar,

quem pode respirar

quando o mundo funciona contra seu favor?

Funcionaria a fuga do turbilhão?

Então culpam-me as árvores, os pássaros,

cipós, ninhos,

a Natureza enfim.

E em sua boca está o punhal da traição;

por que não me golpeia e me livra da agonia?

Que estranho prazer

obtém você desta tortura?

As calçadas querem me matar.

As ruas querem me matar.

Edifícios, aparelhos, obras de arte,

plantas, animais, sorrisos, alimentos,

saudades, gozos, pensamentos,

água, fogo, terra e ar

e isótopo doze do carbono

– todos querem um doloroso fim

para aquele que descobriu o segredo.

Agora me afogo em sombras desconhecidas,

que aqui estão para embaraçar o meu ponto de vista.

Trevas com as quais convivo,

sempre que distorço minhas verdades.

E aquela luz,

bem, aquela luz que mal vislumbro,

ali na mais profunda obscuridade,

é tudo que conheço.

Tudo que conheço.

Tudo.