O lobo

Na noite que cresce, eu sou seu tormento;

Procuro, acho, mato e me alimento;

Na noite que encerra o eterno mistério,

sou seu maior medo, o inimigo mais sério.

Alguém, algum ausente à aurora,

que faz da fome o seu viver;

Arruína a alma arruína a rosa,

arranca o rumo a se esquecer...

Voraz fera, réu em juízo;

Rosnar rançoso, rente ao rosto;

Crime sangrento, crime preciso!

Em céu de sangue... vermelho fosco!

Culpado, eu sou por tirar-lhe a alma!

Por arrancar-lhe o que não tinha...

Por cortar-lhe a carne e matar-lhe a calma;

Por tomar-lhe a vida que agora é minha!

Culpado, eu sou pela minha fome...

Insaciável gula que me domina!

Pela natureza de querer teu sangue,

Querer teu corpo... é minha sina!

Fui feito assim.

Renegado da luz e irmão da lua,

e esse desejo cresce mais em mim...

de cravar meus dentes em tua carne nua...

Sou eu, a fera que te atormenta!

A besta, o monstro que tanto temes!

Sou teu escárnio, a tua afronta!

E diante de meus olhos tu tremes!

Eu sou a dor que já te esquece...

Aquele que deixa aberta a ferida...

Aquele que na névoa se esvaece...

Que tanto quer a morte como quer a vida...

Eu sou a eterna escuridão...

Os olhos da noite, dos quais foges em vão...