O QUARTO DO FUNDO
O quarto do fundo
Mário Lattes
Repousava ela desnuda de amor
No quarto do fundo,
Vestida de dor.
Bela, em fino cetim envolta,
Ao acordar,
Vestia-se de organdi e seda,
Fina roupagem, sapatos da moda,
Perfume da mais fina fragrância francesa,
Maquiagem intacta.
Cabelos com negros cachos
Penteavam saudade de quem já não via.
Borrava-lhe o delineador de olhos
Uma sutil lágrima jamais escorrida.
Um dia mudou-se pro quarto da frente.
Seu repouso, de vez acabou.
Lençol de cetim rasgado foi ao chão,
Esfarrapado num arroubo de amor.
Acordou nua sem seda,
Descalça e cheirando a suor.
Cabelos desgrenhados despenteavam
A presença do amante cheirando a paixão
Botou-a bela sem maquiagem,
Mais bela que bela era a maquiagem.
Postou-se defronte o espelho
Lavou a maquiagem sem cheiro,
Sem cor, sem presença.
Chorou as olheiras da saudade,
Repenteou seus cabelos sem cachos,
Pegou seu cetim em farrapos
E pro quarto do fundo voltou.