MIRAGENS 1-12

MIRAGENS I

Amo a loucura da imaginação:

cada momento pode ser diverso,

cada alegria pode ser o inverso

dessa tristeza no meu coração.

Amo a tolice da imaginação,

que a cada instante chama um novo verso

ou toma sempre o reverso por anverso,

nesta medalha da adivinhação,

que lanço, diariamente, pelo ar,

para saber, nesta diária lida,

qual o sendeiro que tenho de trilhar...

Qual seja a pétala desta margarida:

que, finalmente, eu hei de trapacear,

por teu amor novamente na minha vida.

MIRAGENS II

E quem nunca fraudou a margarida,

ao ver a pétala desfavorecedora...?

Quem foi que não contou, na mesma hora

uma folha, no caule ressequida...?

Ou quem foi, que ao perceber a despedida

do malmequer de pétala traidora,

não se enganou, deliberando agora,

a colher-se duas pétalas sem vida,

para fingir ter sido o bem-me-quer,

ao invés do presságio ressentido...?

Ou que o cerne do pólen, num instante,

calculou como pétala, em qualquer

desonesta afirmação do malferido

coração, por tal furto triunfante...?

MIRAGENS III

Ao Pato Donald já me identifiquei,

muitas vezes, ao longo do passado,

pelo sucesso tanto me esforcei,

para obter bem magro resultado...

Porque o patinho, sempre atribulado,

muita vez, nas histórias que lembrei,

que foi tão só pela má sorte derrotado,

na minha vida sempre acompanhei...

Por toda a habilidade conquistada,

de fato, sem ter culpa ou qualquer erro,

foi assaltado por casual desolação

e a sua Margarida, tão amada,

apenas por azar, amargo ferro,

foi encontrar nos braços de um Gastão!

MIRAGENS IV

Quer seja apenas a imaginação

a causa de meus cantos e garranchos,

a origem de todos os meus anchos

orgulhos de vazia frustração;

Quer traga o vento a seta dos escanchos

de que depende a marcha da ilusão;

quer seja apenas a vaporização

que derrete meus sonhos, débeis ganchos

de luz de estrela, chão de nuvens, aquarelas,

raios de sol hedonistas e indolentes,

réstias de prata, fulgor de exultação,

pouco me importa, desde sejam belas

as imagens que traço tão frequentes,

na selva rubra de meu coração...

MIRAGENS V

Que mais além de imaginar seria

cada processo da própria humanidade,

que não fosse comer, beber e a via

seguir do sexo na reciprocidade?

Que mais além desse pensar teria

criado as ilusões de uma saudade,

as tentações do amor e nostalgia,

muito além de tão só fecundidade?

É esse imaginar que nos redime

do cunho material e sem virtude,

das garras animais da impenitência,

da grosseria em que o corpo nos oprime,

que é tão só imaginação que nos ilude

de possuirmos um resquício de inocência.

MIRAGENS VI

Que seja apenas a imaginação

o que me faz lembrar de meu passado...

Que não haja um recanto descuidado,

não mais que o sopro deste meu pulmão.

Que não exista qualquer inspiração

que não seja criatura do insuflado

repicar oneroso de meu fado,

no teimoso pulsar do coração...

Que seja apenas a circulação

de plaquetas e hemácias, multidão

de vidas manuscritas dentro em mim.

Que dos leucócitos a alva procissão

carregue imagens de introspecção

por que minha sina se complete assim.

MIRAGENS VII

Porque, afinal, todo esse sofrimento

que rememoro, ao longo do meu fado,

talvez não corresponda a meu passado,

mas seja apenas esquivo fragmento

de minha imaginação, desse momento

de prata e ouro, em vago significado,

auriverde auscultar, verme gelado,

a taturana que rói meu pensamento.

Mas não posso esperar que só a alegria

tenha sido o produto da ilusão,

mas que também criei melancolia

na busca masoquista da razão

para meus versos torvos de magia,

brotados de minha alma em borbotão.

MIRAGENS VIII

Imaginar para mim é coisa pura:

é o artifício que me furta do concreto,

é a forma como finjo ter afeto

por quem me trata de maneira dura.

Para mim, imaginar afasta a escura

certeza do real e do incorreto,

do sujo, do perdido e até do infecto

que a vida me corrompem de mistura.

Imaginar, para mim, é me tornar

senhor de um mundo belo e sem defeito,

que assim percorro na imaginação.

Talvez até me esconda em tal sonhar,

quiçá não tenha ali qualquer direito,

porém é o escudo de meu coração.

MIRAGENS IX

Ainda além desse consolo terno,

há outro tipo de confabulação,

que nos faz encontrar retribuição

na tétrica certeza de um inferno!

Como castigo, esse suplício eterno,

concebido por humana criação,

ameaça de completa danação

os inimigos enviados para o Arverno!...

Quem pelo culpa se vê atormentado,

pelo remorso assim atribulado,

encontra até certa consolação,

ao esperar, enfim, ser castigado

por toda a multidão de seu pecado,

no próprio fogo de sua imaginação!...

MIRAGENS X

De modo semelhante, é a recompensa,

por cada um concebida à sua maneira

um paraíso de música ligeira,

setenta virgens na maometana crença!

A reencarnação diversamente pensa:

preparação, na sansara verdadeira,

até cumprido o carma em plena esteira,

em cada vida uma emoção intensa!

Ou talvez vaguem sombras pelo escuro,

ou pelo Éden gozem de um jardim,

ou nas pastagens de permanente caça!

Para cada temor, um lado puro,

nas mais variadas crenças cria assim

o imaginar da mais perfeita graça...

MIRAGENS XI

Até a própria ciência é imaginada,

por mais que haja a experimentação.

É o espírito que chega à conclusão

e que concebe a experiência desejada.

E toda a religião é elaborada

por extática e divina inspiração.

São os estágios da elucubração

que iluminam do filósofo a morada.

Pois é isto que melhor que os animais

nos torna; e a música e a poesia,

sem a mente criadora não seriam,

pois não crescemos como vegetais...

Crescemos é por dentro, em salmodia

e são os homens que a si mesmos criam.

MIRAGENS XII

pois em cada sinal de Exaltação,

cada um dos momentos da Ilusão,

mesmo o ardente palpitar do Coração,

são provocados pelo Imaginar.

até mesmo do castelo a Construção,

o crescimento dos filhos Esperar,

a expectativa pelo Prosperar,

tudo deriva do humano Elaborar.

e eu me confesso, em minha Condição

de escriba alçado pela Imaginação:

nada mais que grão de poeira a Reluzir.

quiçá reflexo do brilho da Emoção,

por saber bem, sem nunca me Iludir,

que a imaginação conclui, sem Concluir...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 31/05/2011
Código do texto: T3004430
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