Sou um homem nocturno
Sou um homem nocturno.
O meu rir serve de disfarce, apenas, para tentar colorir
as páginas a preto e branco da vida.
Sou um homem nocturno a quem contaram que, afinal,
na vida há outras pessoas nocturnas, assim. São pessoas
que por mais que reguem os seus jardins de sonho
e floresçam neles sonhos de vida, ficam-se por aí.
E acalentam-se e aconchegam-se no húmus de eternos
e incondicionais jardins. E morrem de pobres.
Há pessoas insensatas que se misturam insensatamente
em existências vertiginosas de impossíveis,
e fazem figura com o que nem sequer é seu.
Essas permanecem demoradamente neste universo
porque os seus jardins são labirínticas arquitecturas
mentais de vigarice, onde resguardam o corpo
sem vergonha de ser.
Corpo que também há-de morrer na voragem do tempo.
E apodrecer. E reduzir-se a pó,
porque nada nesta vida de si é eterno
e jamais passará dum corpo de merda qualquer.
Essas pessoas vivem na ilusão e na incerteza!
E hão-me morrer na mesma sem glória nenhuma.
A mim basta-me, apenas, a ilusão de conseguir enganar
o medo que tenho desses dias cinzentos sem ninguém.
A vida é monótona e triste.
Por mais que fuja e parta por aí, encontro-me sempre só
e ausente em lugar nenhum.
A vida é feita, aqui, de incertezas à margem das estrelas
que mergulham, no fim da linha do horizonte,
no escuro do nada. O horizonte engole-as todas.
E eu olho-as com o meu olhar ignorante em desespero.
Talvez a vida não seja mais que um desespero.
Mas esta encenação da vida já é um desespero!
Quando o céu se fundir com as águas do mar no Nada
o meu corpo repousará nos escombros
de um buraco qualquer e aquilo de mim que teima
em viver, cavalgará no cavalo do infinito
com destino a lugar nenhum.