Espelho turvo

O espelho reflete o rosto

cansado das noites em claro,

a boca guarda desagradável gosto

de restos, bebida e cigarro.

A pele, ressequido pergaminho

de traçados mapas, rotas de fuga.

A barba cerrada, espeto, espinho

cobrindo desleixada cada ruga.

Os olhos sanguíneos, dilatados

de assustadas pupilas que tanto vêem

testemunhas de homens condenados

que nada têm, nada querem, em nada crêem.

As mãos trêmulas condenam, acusam

os excessos das noites e madrugadas,

são trêmulas as mãos que abusam

dos carinhos falsos das mulheres perfumadas.

A arma jaz silente na gaveta,

no tambor, a pílula da cura imediata.

A trajetória é única, fatal e reta

e o espelho testemunha o homem que se mata.