Poesia Morta

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Minha poesia morreu.

Vazia razia já sem nome, minha poesia não sabia o que fazia nem onde cabia: daí que de repente a serpente morreu de fome.

Minha poesia está morta, mas sem saber disso ela cresce assim mesmo: natitorta.

Sem qualquer sabor de amor a lhe fluir no xilema ou a lhe irrigar desde o floema, surge já torto e ruge morto cada um meu poema.

E mais do que só isto ela não irá subir, posto que é apenas uma poesia-zumbi...

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Atirei no que vi, acertei no que ri, acreditei no que ouvi, mas me ancorei no que descobri: o amor é possível, mas só possível mesmo porque na prática filisteu é uma raça preguiçosa: não quer ter nada de nem-nada a ver com essa possibilidade tão trabalhosa.

O mundo está sendo inundado por um dilúvio de belas palavras não-poucas, palavras muito ousadas mas ocas, verborragia plena de força e magia, porém rústica e rude na hora de se recusar a se traduzir em uma real atitude que não seja mera autodestruição ou antropofagia.

O preconceito hoje impera como nunca, transformando o jardim das verdades numa repulsiva e odiosa espelunca. Sim, a verdade nunca foi criatura assim tão indesejada e esquisita, jamais teve assim tão evitada a sua necessária visita.

É triste, nauseante e revoltante ver tolos darem as costas à verdade gritante, falarem e falarem só o mel do mel, evitando no curso já do mesmo discurso o amargo sabor da prática coerente, obcecados em se fazerem ser e permanecer escravos da autobsolescência crescente.

O mundo está tão sujo, feio, poluído material e moralmente, um mundo imundo muito mal disfarçado pelas máscaras hiperficiais de uma beleza decadente.

O mal está na moda no centro da roda, o mal está ganhando de goleada no momento, o mal é o novo charme do comportamento, o mundo está ferrado porque tolos querem praticar prioritariamente o que é errado, ninguém quer ninguém nem nada em nada a lhe coibir, este mundo imundo é o mundo onde é proibido proibir!

A bondade é uma droga, já não serve, já não ferve a menor verve. Ser bom agora é até vergonhoso tentar, ter lealdade nem pensar, se é muito mais cômodo no trono da fealdade sentar. O poço da ética, a fonte moral hoje está a secar: tudo que tolos querem hoje é pecar, pecar e pecar, ousar, abusar, mudar, se aventurar e perjurar.

Este é um povo que de sua liberdade se tornou completamente omisso, e ainda tem a cara-de-pau de censurar nos outros a sua imprópria falta de compromisso!

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Manoel Galvão
Enviado por Manoel Galvão em 13/06/2012
Reeditado em 14/06/2012
Código do texto: T3722098
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