A irremediável finitude

amamos coisas finitas

e. somos nós, terrivelmente finitos

de tudo que é humano

o mais marcante é o fim

é a última lágrima,

a última palavra,

o último gesto

a eternidade é como se fosse papel

de revelar fotografia

lisa, química e só permite fixar

na escuridão da alma...

amamos coisas finitas

e sofremos infinitamente

amamos coisas que ultrapassam só por um

breve instante a pequenez da forma

e na substância inconsciente

ficamos a desejar mil reticências

como se fosse possível

lutar contra a fatalidade

Todos os quixotes que habitam

em nós, lutando contra os moinhos

e, esperando o olhar da amada Dulcinéia

com ou sem Sancho está fadado

a ser solitário

e triste

Os monstros e as crueldades jamais descansam

e a finitude decapita a fantasia na

praça pública de todos os dias

mas o amor paradoxalmente é infinito

se o filho é feio ou bonito,

se é inteligente ou néscio,

se é perfeito ou aleijado

amamos mesmo assim,

e, as vezes, secretamente,

o amamos mais...

por ser assim tão diferente dos demais

por compensação ou por vaidade...

por desejar disputar com a realidade

com alguma velha justiça...

mas o amor é mesmo infindável,

se os caminhos bifurcam e, mesmo que jamais

nos encontremos novamente

o amor tatuou na alma seu signo fatal

na doçura das palavras,

na candura dos olhos

e, sobretudo, no aceno de adeus...

consciente ou não

vivemos desesperadamente nos despedindo

sem, o saber, de tudo...e, sempre...

quando fechamos a porta,

quando saímos da sala,

quando vamos simplesmente na esquina...

porque o retorno é misterioso,

e incerto

porque na matemática inexata dos tempos

vividos,

a soma

e a multiplicação perdem

na divisão e a potencialização do tempo.

ah! quem me dera ter a grandeza de

saber quando ser última

lhe diria tudo que gostaria de ouvir,

mas jamais lhe disse...

lhe faria "mimos" inesperados

não para ser inesquecível ou marcante

mas para fechar um etapa

sem dívidas e sem medo do fim...

o homem é um ser inacabado que convive diariamente com a finitude

a morte nos espera nos cemitérios

o desencanto nos espera no amor

o esquecimento nos espera amanhã

e a saudade nos espera no fim

Brindemos ao fim de tudo,

ao apocalipse da vida e da fé.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 07/03/2007
Código do texto: T404815
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