Viagem derradeira

Viajava só,

enodoado

com um cheiro azedo,

ninguém ao seu lado se sentou

Com seu olhar fixo na janela,

via um arco-íris

na gordura do vidro,

outrora melado por alguém

Os cheiros das comidas;

bolachas, salgados e

pães com molho de tomate,

que se espalhavam nos vagões,

ardiam em suas narinas,

e minguavam seu estômago pobre

O par de mãos rachadas pela cal,

e esfoladas pelos tijolos,

dormiam estáticas nos joelhos

As sombras dos prédios,

que passavam rápidas listrando o trem,

e a fuligem,

que assentava nas ruas,

davam fadiga e melancolia,

deixando a viagem mais longa

No rádio de um velhinho,

decrépito,

em outro banco,

tinia uma modinha antiga,

que morria sem sintonia, e

dava sonoplastia a cena final

Descerá na última estação

com seus pensamentos

tristes, macabros, mortais

Ao chegar em casa,

dormirá, porém,

não acordará.