Poema

Culpava-se por sentir saudades.

Sim, havia um homem que caminhava

sobre a neve. Ele usava um capuz,

e um casaco escuro.

Milhares de estranhos caíam do céu.

Ela queria gritar,

ou correr pelo campo primaveril.

Alguns homens vinham do futuro,

mas o tempo ainda é invisível,

como uma tela do infinito

retratada no espelho do teto.

Apareceram também homens do passado.

Sentia vontade de gritar o incontrolável

desejo, mas era preciso silêncio.

Havia um toque de recolher,

normal como em todas as revoluções.

Parte dos homens eram inimigos,

outros apenas pessoas que passavam

com olhar confuso e a mente enervada,

aprisionada na própria quietude forçada.

Uma vontade muito grande de correr para o quarto,

jogar-se nos braços de um amor passado,

mas os amores nunca estão sozinhos,

também o homem não estava lá.

Andava o homem pela neve,

poderia fazer sentido essa andança interminável

caso não tivesse apenas um pensamento:

o anseio pela alforria.

É bem verdade que também tinha o homem

espasmos que o faziam pensar em voltar

ao hotel decadente, sentir o corpo magro

da mulher em mais um abraço.

Mas entre indecisões admirava os grandes

flocos de neve que caíam, um após o outro.

Há muito tempo não prestava atenção na neve

que caía insistente, mesmo no lugar de onde veio:

bastava uma sucessão de dias e um motivo

que aproximasse cada vez mais o reencontro cobiçado.

Um apetite de infância: sonhava à noite

com a branca pele da mulher, com o corpo

se contorcendo, com a sua própria virilidade,

dominando a indefesa presa, apossando-se da admiração

que emanava dos olhos verdes.

Inquieta ela cortava o pão, arrumava os talheres,

na TV uma pausa para a previsão do tempo.

Ficara feliz imaginando que ele não poderia partir.

Pensava em visitá-lo naquela noite, há tempos fantasiava

a libertação, quimeras com a cidade grande onde a vida

seguia sempre à passos largos. Certamente ele deixaria a porta

aberta e um lugar vago, na cama. Como queria segurar a mão dele

enquanto dormia, tão forte.

Necessitava de um pouco do calor.

Na primeira folga do dia correria para arrumar as malas.

Mas culparia-se por abandonar seu lugar na vida comum.

Talvez a neve o deixasse confuso, talvez ela vivesse agora

apenas um devaneio momentâneo, a possibilidade de

reescrever um passado que não se tornou real,

a chance de acalmar o corpo em um acalento seguro.

Beijaram-se tão fortemente, na primeira oportunidade

que tiveram a sós. Sente-se culpada agora,

como se traísse a confiança de alguém muito

íntimo. Ansiava que ele voltasse e sentasse à mesa

para jantar, ainda era dia lá fora. A neve, e o silêncio,

por um momento acreditou ter paz.

Os inimigos tocariam a campainha da recepção,

mais cedo ou mais tarde, ela sabia.

Quis fugir, descobrir onde ele estava, esconder-se,

aninhar-se em seus braços e fechar os olhos.

Ele caminhava de olhos abertos, mas absorto.

Contornava a cidade sabendo que não mais veria as pegadas

quando quisesse voltar. Apenas um pensamento:

queria contar a ela o quanto estava feliz.

Os inimigos seguiam os passos do homem, escreviam

na neve uma sentença, tal como o poema que declamaria

para sua mulher mais tarde, caso assim fosse possível.

Mas, afinal de contas, todos na cidade escreviam poemas.

Hans Cristian Koch
Enviado por Hans Cristian Koch em 18/11/2013
Código do texto: T4576423
Classificação de conteúdo: seguro