Solidão
Estou só no mundo
Estou só na América
Estou só no quarto
Pela rua um gato preto passa
Na esquina uma moça morre
No cruzamento quatro carros batem
Meu corpo continua imóvel
Enquanto sangue espesso
Sai pelas narinas
Sai pelos ouvidos
Sai por minha boca
Céus!
Quanto sangue!
E eu sinto frio
E a morte
Num ato
Impensável
Cobre-me
Com seu
Manto negro
Enquanto sua foice
Cintila na entrada
De casa.
Não consigo adormecer
E a morte me fala
Que seu único momento
De piedade na vida já passou
E que ela está atrasada
Terá que matar uns mil a mais
Pra não ficar no prejuízo.
E na torre mais alta
Da fortaleza da solidão
Eu reviro velhas foto fotografias
(As eternas guardiãs do tempo que passou)
Meu pai ao lado de minha mãe
O sorriso puro de minha irmã mais nova
O olhar profundo de minha irmã mais velha
E a inocência intacta de meu irmãozinho
Onde estão estas coisas agora?
Onde estão os risos
As mesas fartas do almoço de domingo
Aquele cheiro de comida e de carinho?
Perderam-se nas curvas do caminho
Perderam-se entre as lágrimas torpes
Perderam-se nas noites mais extensas
Perderam-se...
E não sabem o caminho de regresso.
O solo rachado
As plantas secas
O cachorrinho de estimação morto
Nem os pássaros que antes
Cantavam em nos jambeiros existem
Tudo é pó
Tudo está cheio de pó!
E a vida segue
E a vida continua
E a vida acaba!
Nem pai
Nem mãe
Nem irmãs
Nem Deus...
Só o diabo
Faz-me companhia...