Tenho o silêncio

Tenho me mantido em silêncio por tanto tempo que não lembro nem o som de minha voz.

Tenho observado o teto de meu quarto por tanto tempo que já contei as tábuas e pregos no forro amarelado pelo tempo.

Tenho acariciado minha própria barba na lembrança do beijo dela.

Tenho lembrado do seu olhar indiferente por debaixo daquele rímel negro desenhado por horas.

Tenho sentido falta da carícia sentida não apenas por mim.

Tenho sido um solitário derramado no chão, sendo desenhado pelos vazios entre uma lajota e outra.

Tenho me irritado com a mancha branca de tinta no cabo negro, ao observar o círculo escurecido pelo mofo na parede verde a minha frente.

Tenho me assustado com o som de minha voz enquanto ela rasga minha garganta.

Tenho sido muito, mas nada do que eu era.

Tenho sentido muito.

Tenho observado muito.

Só não tenho achado a mim mesmo ou o que quero.