Para o resto dessa breve vida

Estou aqui,

apenas me equilibrando sobre o arame,

balançando como o vento,

sentindo a inconstância da existência,

tentando não pensar racionalmente,

esvaindo minha veia mental das subjetividades,

expurgando as dores de minh'alma,

gritando no silêncio de minha escuridão,

tentando não esperar milagres,

desenhando nas paredes as tragédias shakespeareanas,

pobre Hamlet, entre a loucura e a morte,

amor maldito que o transtornou,

Othélo, ciúmes de sua própria sombra,

na pieguice de Romeu e Julieta,

fazendo morada conjunta na cripta da incompreensão,

pinto de vermelho e azul as paredes desse quarto,

essa vida tão cheia de melodramas inacabados,

de desejos entorpecidos por histórias sem um fim,

na necessidade que corrói cada póro de minha pele,

arrepia minha nuca no medo da solidão eterna,

porque ser são é ter consciência do vazio,

esse grande abismo que consome um pedaço meu todos os dias,

quem me dera voltar à loucura dos dias perdidos,

quando falsamente eu era mais feliz,

embriagado em meus delírios não percebia as tormentas,

sentia a ilusão como uma verdade redentora,

um roteiro prescrito para cada convulsão,

ouvindo ao longe o dedilhar de um violão,

sorrindo para o mar que serenava meu espírito,

encontrando palavras de consolo e algum afeto,

imaginava arrastar-me assim para o resto dessa breve vida,

como um pierrô em um carnaval fora de época,

um ator sem palco no inverno dos teatros,

um barítono sem voz em uma Ópera em escombros,

escrevendo poesias sem rima, cadência ou conexão,

esperando as cicatrizes do corpo curarem-se sozinhas,

enquanto com as mágoas do coração me acostumo...