A vida secreta de Ana

A vida secreta de Ana

Ana era ninguém

Trancafiada em seu lar

Quieto e calmo

Apenas vivia com seu gato

Atravessava as três quadras

Até a esquina, com seus óculos

De sol vermelhos

E suas roupas um tanto gastas

Em sua casa tudo tinha

Lugar certo, mas tudo mudava

Seus hábitos enrijeceram no tempo

E do sofá ao computador sonhava

Tinha sonhos, mas já não os sonhava

E sua insignificância era deliberada

O mundo era feio, sujo e malvado

E quando nele pensava, queria dormir um sono justo e eterno

Ana era feliz com tudo isso

E de chinelos velhos passava a tarde

No caderno, sobre a mesa, que propositalmente

Bagunçara para dar vida a sua obtusa organicidade

Mantinha num canto

Fotografias de quem sequer via

Mas eram deles e afinal

Não podia negar tudo

Inventava suas modas

Sua mente inquieta pedia

Olhava pela janela

E tudo ruía numa imagem desfacelada

As vezes ouvia músicas

Noutra via filmes ou lia poesia

Mas o telefone não tocava

E exasperada pressentia que já não era nada

Ana, entretanto, sabia

Que como ela havia muitos

Pessoas que abdicaram

Para viverem sozinhas e em paz

Mas da solidão não tinha medo

Só não queria a intromissão do outro

Na vida que construíra

Secretamente em seu íntimo

Ana pensava em recomeçar do zero

Esquecendo passado e história

Ficando para si com as cores bonitas

E sublimes de sua memória.

Magda L Carvalho
Enviado por Magda L Carvalho em 08/10/2016
Código do texto: T5785263
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