post-mortem

eu queria morrer de amor:

com o peito inflado,

como se estivesse cheio de ar

mas seria apenas felicidade,

por ter sido minimamente correspondido,

por ter achado uma moeda de ouro

no final de um arco-íris descolorido.

eu queria morrer de amor:

com a boca formigando de desejo

por um beijo que nunca viria,

e se viesse, chegaria num lampejo,

cavalgando um raio, sem rédeas, sem brida,

e deixaria meu lábio bipartido.

eu queria morrer de amor:

buscando, desesperadamente, por fôlego,

e, cada vez mais fundo, no meu mundo,

privado com minhas particularidades,

me afogar em lágrimas cujo o sal

fosse o mais doce de todos os componentes.

eu queria morrer de amor:

de uma faísca, que não sabe que, ao nascer,

posto que é fogo, e que não pode se apagar,

transforma em chamas que ardem, sem se ver,

meu coração que insiste em não queimar.

Teco Sodré
Enviado por Teco Sodré em 04/01/2019
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