o barco

O velho barco cansado, leme sofrido, pás travadas

Quando se queria quase perto do porto

Traga-se por corrente invencível

Inescapável como uma paixão lancinante.

E se vê a inverter radicalmente o curso

A vencer o arco imenso do hiato do tempo

A voltar para onde sempre ia.

Não há curva fácil, breve, sobre o eixo ou de raio curto, indolor.

As coisas nunca são assim.

E talvez não haja tempo; talvez não haja vento; não haja vão...

Não há garantia alguma: de não-colisão, de não-solidão,

Da resistência do casco gasto, do não-naufrágio.

A volta faz-me o cais distante, remoto. Afasto-me da terra, quando queria quase aportar.

Mas manter o rumo já não era uma escolha: a corrente me toma

Invencível como uma paixão lancinante.

A descoberta antevista de terras longínquas me impele

Como que pouco mas inexorável: um sopro.

Como quem quase ancora, sigo.

Cheio de medo das tormentas possíveis, prováveis, ainda mais do que nelas

Seja a troada do meu desejo rústico, antigo

O ardor do meu sonho adiado

O relâmpago fragoroso de meu ser temporão, apressado.