Sala de tralhas

Tristeza. Praça abandonada, suja, depredada.

Os namorados já não se beijam apaixonados.

A bicicleta encontra-se encostada na sala de

[tralhas.

O cachorro, que brincava comigo no quintal,

morreu só, triste, deitado, doente na sala de

[tralhas.

Os brinquedos da criança foram trocados por

pastas, livros intragáveis, papel na sociedade,

gigabites, papéis, relógios de pulso, disputas.

A família ficou longe; minha mãe, uma voz ao

telefone; e as crianças da família já não vão

comigo à sorveteria. Deus está morto. Já não

se compadece. Jaz sob várias lápides caiadas

por mãos humanas e seus restos mortais são

de plástico, moldado por mãos humanas.

Que falta Deus me faz...

Na sala de tralhas estão cartas de amor puro,

a bola de vôlei que brincava com meu irmão,

o blusão da escola em que recebi o primeiro

beijo, o espelho que o adolescente se olhava

pra saber se era feio, o gatinho branco, todo

lanhado pelas brigas na madrugada, a minha

voz embargada, correndo atrás da namorada.

Na sala de tralhas estou agora, a vasculhar

na memória o que perdi e o que agora achei.

Está lá um espectro de mim, e minha família

festeja o aniversário de um meu irmão. E eu,

Eu não. Estou junto ao cão, à bicicleta velha,

ao gato lanhado, à bola de vôlei, ao espelho...