Manifestação

Na manifestação, eu quis muito dela me aproximar, com bom humor, um tom de voz acariciador, chegando com surpresa e alegria, fazendo-a engasgar, nossos corações no mesmo badadar, na mesma sintonia.

Contudo, senti que ela não estava pronta, mas, às tontas, fiz o percurso, lembrando que nunca se está pronto, a cada dia acrescentamos uma frase ao discurso, uma página ao conto, a caminhada é longa, como uma lua de mel, ou uma via sacra, que se prolonga.

Planejei toda a nossa conversa dias antes, mas com medo de que ela não seguisse o roteiro...elaborei algumas saídas elegantes, e fiquei expectante, com o temor de não conseguir ser suficientemente ligeiro.

Como se atravessasse terrenos minados em Gaza, cogitei em a convidar em voz baixa, a jantar aquela noite comigo na sua casa. Não temi me perder nela, temo o fascismo que nos atropela.

Conversaríamos sobre o homem do povo, que inocente, renasceu quinhentos e oitenta dias na cela, mandado por um juiz doente, disseminador de sua doença, que a uma nação inteira desmantela, com sua fatídica sentença, o dinheiro estadunidense elegendo um assassino, que enterra ao povo sorrindo.

Com um cérebro treinado para sobreviver, não para ser feliz, mas pleno para os bons acontecimentos, feito o dia que antecede o pagamento, vi um cara a abraçar por trás...

Aquele abraço que dispensa as palavras, antes da farra.

Aquele momento do pressentimento adolescente, de que só conseguiria uma gargalhada dela, se tropeçasse na sua frente.

Desenvolvi um sentimento de gratidão por aquele aprendizado. O que nos acontece, é para evoluirmos no sentido do sagrado. (Errado?)

Ninguém morre mesmo por falta de amor, pode morrer por falta de reciprocidade, mas, eu não tenho mais essa idade, um momento de meditação já me traz felicidade, se o dinheiro por exemplo, me rejeita, não deixarei de me recusar a olhar o mundo, através da perspectiva da direita.

Agora na solidão do meu quarto, estou em paz, esse é o fato.

Sei que ela está bem e esse sentimento me contém, estou nele por inteiro, beija-flores buscam o pólen nas flores dos canteiros. Como sentir a sua ausência, se o dó em todos os pianos afinados, mesmo separados, soam na mesma frequência?

Barthes.