03:52 AM

A madrugada oculta muitos medos

o de não acordar, o de não dormir.

A vista alcança apenas o iluminado pelas lâmpadas,

o resto encoberto assustador descansa e pode não ser.

Mas os cães, que são muitos, ladram

gemem solitários dentro dos portões

para os de menos sorte abandonados

e o ganido preenche o cenário vazio

com diálogos caninos compreensíveis.

Nessa hora há toda sorte de abandono.

No sono pesado aquela mulher triste

sonha não ter casado com seu homem.

Indo ao banheiro, a menina tem sede

e não encontra o leite para sua fome.

Só o guarda-rua pode dizer

o quanto faz frio.

Nos braços do rapaz o namorado passa a noite,

avisou a mãe que estava na casa de um amigo.

Entre os bêbados encostados na marquise

cai do bolso um retrato da esposa infiel.

Naquela casa a televisão faz companhia,

nesta outra um gato entra pela janela.

Tem sorte quem dormia na hora do assalto,

dois ladrões armados fariam estrago maior.

Na escuridão que se faz ao apagar a luz

haveria descanso se não fosse o silêncio

de língua morta que pede tradução.

É preciso acordar cedo para inventar o mundo.

Na rua o asfalto será o mesmo

brilhará de sol a sol piche preto

substrato, petróleo

antigo como rodas

pensadas na pré-história

desenhadas em cavernas.

Mas agora não, agora só cães

e pessoas mortas de sono

de sono, cansaço ou medo

no escuro medonho da madrugada.

Baltazar

(11 de maio de 2016)

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 13/05/2016
Reeditado em 27/10/2016
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