TRIBUTO A NERUDA

Hoje eu vou escrever os versos mais loucos que puder,

Versos que falem da vida,

Falem da morte, ou da mulher,

Versos que falem dos meus desejos

Dos meus sonhos,

Ou mesmo das coisas que estão além de mim.

Por exemplo, posso dizer nessa noite desestrelada:

Minha mãe é uma estrela há milhões de anos-luz

E a minha irmã namora um açougueiro

Que se diverte colecionando imagens sacras

Encontradas nos antiquários de uma rua antiga do Recife.

Posso dizer também que a minha amada

Esqueceu o meu nome,

Passando a me chamar de filhinho,

E se entrega desvairada

Para compensar o lapso imperdoável.

Posso todas as coisas

Naquela que me torna um deus

Que não tem vergonha de chorar

Por força de um orgasmo

Ou de tristeza pela partida de um amigo.

Que me importa se o amor entre as mulheres

Invade a tela da minha rede,

E os pássaros continuam cantando

Nas árvores que cercam meu apartamento?

Que me importa

Se os homens se anulam diante de seus deuses,

Enquanto as mulheres assumem o comando do mundo?

Eu não quero escrever versos tristes como Neruda,

Porque a tristeza de um poeta

Nunca é a tristeza de um poeta,

E sim a tristeza da humanidade

Por não compreender a tristeza do poetas.

Mas foi em uma noite assim, desestrelada,

Que vi a morte descontrair a face de meu pai,

E a minha mãe segurar seus sapatos,

Reclamando por ele haver bebido tanto.

Meu pai ria sobre a pedra,

Como costumava rir

Quando chegava tarde da noite

Lembrando as piadas dos amigos.

Ah! Mas eu preciso escrever sobre o amigo

Que atravessou comigo

O inferno e as planícies do diamante noturno.

Que bebeu vinho, comeu pão amargo,

Conquistou a última dama da noite,

E escreveu a história da última cafetina.

Posso escrever os versos mais loucos nesta noite,

Porque os sóbrios, os santos, estão dormindo,

Pelas ruas perambulam apenas os loucos, os ébrios,

Os poetas, as meretrizes e os apaixonados.

Posso escrever os versos mais loucos nesta noite

Pois dentro dela uma mulher me espera,

E como o marinheiro que passa muito tempo no mar

E se joga ávido nos braços da primeira que encontra,

henrique ponttopidan
Enviado por henrique ponttopidan em 11/02/2018
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