A MÚMIA
Passei sem notar
trinta séculos em mortalhas.
Recebi as gorduras
de minha paralisia.
Morri outra vez,
permanecendo bloco
e ângulos externos
e tacto subterrâneo.
Aceitei a minha ex-carne,
hoje lembrança subcutânea,
e a grande úlcera que era
um ponto de referência
vastíssimo dentro de mim.
Prossegui exato.
Meu espírito aderiu
aos baixos relevos da câmara mortuária
e nada mais realizei.
Sim, eu não sou quem penso.
Atrás do brasão familiar,
eu não existo.
Sinto-me como uma nódoa
cravada no deserto.
Cleópatra indefinida que não vingou.
Mas, se a múmia não logrou êxito,
ela renega agora
sua clausura suntuosa.
Penetra no ciclo maior
dos seres atonais.
Transforma-se em ruído.
Do livro "BORBOLETAS NOTURNAS NÃO EXISTEM"