Era Outubro em Belém do Pará
Era Outubro em Belém
Eu vi!
Eu vi!
Eu vi!
Era Outubro, era noite e eu vi, seu moço...
Vi os olhos dela, castanhos, cortantes e sutis.
Eu vi!
Eu vi!
Eu vi, seu moço!
Eu sou a testemunha da carne, do sangue e do olhar que fere.
Eu vi, seu moço, a escuridão tomando conta da mulher, que me apontava o filho com ternura.
Eu vi, seu moço!
Aqueles olhos, que de braços dados com a fé, dilaceravam-me com desprezo.
Eu vi, seu moço, eu juro que vi!
Eu, seu moço, sou braços abertos, corpo exposto e vulnerável no meio do mar de gente...
Eu naquela noite vi pai, mãe e filho felizes de balão na mão, terço no pescoço e sacrifícios marcados nos pés...
Enquanto isso, alguém ao longe gritava: Viva! Viva! Viva!
Mas ninguém entendia, a multidão era cega e seguia.
E eu, seu moço, vi aqueles três posicionando-se num altar, regozijando-se por assim o serem.
Eu vi, seu moço, eu vi mesmo os olhos dela!
Aqueles olhos tão doces insistindo em profanar a minha vida, propagar meus desejos, meus sonhos e, principalmente, a minha humanidade!
Eu vi, seu moço, era Outubro e eu senti o ego, vi o crucifixo no peito e os olhos insistindo em me apontar.
Seu moço, eu sei o que vi...
Vi naqueles olhos o ar superior, no meio da multidão, que seguia alheia.
O que eu vi,seu moço, ninguém mais viu, eu sou a testemunha ocular...
Eu vi, seu moço, era Outubro sim...
Aqueles olhos, seu moço, se foram ao longe e mais lá na frente cruzaram os meus mais um vez, porém fizeram questão de me apagar.
Eles queriam que eu não estivesse lá, porque eu, carne aberta e vulnerável, não merecia testemunhar.
Aqueles olhos, seu moço, ignoravam que era Outubro, seu moço...
Como pode?
Que tristeza, seu moço...
Que tristeza...
Que tristeza...
E era Outubro em Belém do Pará...