Descartável

.

.

Na imodéstia

da fausta pança

o moço de armas lusitano

vigia, diligente,

a re_gu_la_men_ta_ri_da_de

dos nossos atos.

Para ele, hoje,

parece bastar-lhe

que se ostente

no nosso semblante

de para-brisas

um papelinho a validar

re_gu_la_men_tar_men_te

o quanto fazemos

do que podemos fazer.

Mais além o pombo,

seriamente indiciado

de umas quantas

ameaças à sanidade pública

no jardim-escola

dos 3 aninhos da Clarinha

da sua mão depenica

algo hesitante

mais uns quantos grãos

com jeitos de milho.

.

Um milhar de metros

acima de tudo isto,

batalhões de nuvens

avançam alinhadíssimos

pelos céus... quadrigas de vapor

a perder de vista

de uma frota

das forças naturais

do planeta azul.

.

Eu... espirro

na casualidade social

de uma constipação

e procuro no bolso

o pacote de lenços

a que subtraio um

de papel alvíssimo

e sofrivelmente perfumado.

..."Descartável!"

Exclamei eu

no incônscio alheamento

à noção solidária

do - Ser - descartável.

.

No curriculum da humanidade

está integrada

uma galeria de bens,

criaturas, feitos...

circunstâncias sublimes

que resultaram, enfim,

descartáveis.

Terá de ser, pois,

uma galeria algo burlesca.

..."Descartáveis!"

Repito eu, gratuito

e no antecedente

de uma voz, ao lado,

a concordar:

"Descartáveis, sim!,

uma grande ideia.

Um Ovo de Colombo!"

Nas mãos do guarda

outro lenço branco

corroborava, também,

o seu espirro.

"Descartáveis, pois!

Acredite, cidadão!"

.

E mais umas quantas toneladas

de água em nuvens, no zénite,

deslocaram-se

outra centena de metros

enquanto o guarda se afasta

recolhendo no bolso

o lenço de papel

branco e…

ou seja, usado.

Naquele bolso

o descartável

passou a descartado

e por um instante

daqueles

com laivos legítimos

de incongruência

eu desejei

nunca mais

me constipar.

.

.

________________LuMe

Luis Melo
Enviado por Luis Melo em 03/05/2018
Código do texto: T6326302
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