Mamãe que fez

Crespo não melhor alisado

Cacheado, passa batido mas parece mal arrumado

Agora trançando e a branquinha quis brincar dizendo que era marginalizado

Opa, pera aí cuidado

Mais respeito quando for falar do meu cabelo

Bonito, estiloso, quase perfeito

Mamãe que fez

É sério, mamãe que fez mesmo

Papai desculpe

Mas é dela que vem o sangue de preto

Negra, crespa e não mais alisada

Mesmo assim não foi aceitada foi tolerada

Vaga de emprego negada

No currículo estava escrito

Curso de administração, informática,

Pessoa dedicada, preparada

Assim que foi chamada pra ser entrevista

Por quem foi lido

Assim que a viram

Mudaram o escrito para

Hum preta, favelada, cabelo ruim, bom bril

Cor da pele no exame de admissão não passa

Não dá pra recepção, vamos descartar

Pra nós não dá nada

Nem vão notar

Mas ela notou

Viu que era muito branco fazendo branquice

Foi até melhor, desaforo ela não levou

Uma ligação bastou

Quais os pré- requisitos da vaga?

Tem que ser magra, nem muito baixa nem muito alta, padronizada e de preferência branca, se for loira nem precisa ser entrevistada?

Tipo a loira na fila

Que gaguejou na entrevista, mas demonstrou ser fascista, são essas que a vocês sempre chama?

Admito, vai fazer falta a grana

Mas tem problema não, nunca fui de passar pano pra bacana

Tenho minha própria inteligência pra me sustentar

Dá sua própria mão de obra foi trabalhar

Foi fazer um trampo na lojinha

Com minha avó foi fazer coxinha

Montou seu próprio comercio

Também se formou como professora

Mesmo no ensino médio

Só não teve faculdade, de verdade

Faltou grana e a tal da oportunidade

Mas não desistiu

Mesmo sem coroa de ouro sempre pro filhos e marido foi vossa majestade

Sem perder o sorriso e humildade por isso peço

Muito cuidado

Mais respeito quando for falar do meu cabelo

Bonito, estiloso, quase perfeito

Mamãe que fez

É sério, mamãe que fez mesmo

Papai desculpe

Mas é dela que vem o sangue de preto

Se não bastasse tudo isso

Ainda me incentivou a seguir o caminho da escrita

Só consigo escrever poesia pois foi ela que me ensinou a ler

Com uma vendinha que ela chama de lojinha da Cristina

Seu próprio negocio

Me ensinou que meu cabelo não é troço

É trança Jamaica

Talento ela teve pra com essa cultura fazer uma grana

E ainda tinha gente que debochava

Falavam que até podia ser modelo

Se no cabelo passasse uma pasta

De novo, não aceitou e até foi muito educada

Na resposta

Sou preta, linda e tô muito bem com meu cabelo assim obrigada.

E me contava que quando jovem se virava

Com o pouco que ganhava

E ainda dava pra curtir

Ia pro baile e um funk melodie ela dançava

E peço desculpas por não dançar do jeito que ela dança

Ela ainda, dança, samba, no rap comigo canta

Escreve poesia ao mesmo tempo que renova minhas tranças

Então só mais uma vez, cuidado

Mais respeito quando for falar do meu cabelo

Bonito, estiloso, quase perfeito

Mamãe que fez

É sério, mamãe que fez mesmo

Papai desculpe

Mas é dela que vem o sangue de preto

Regiane Abelha M. Nonato

23/02/2018

Regiane Abelha
Enviado por Regiane Abelha em 25/08/2018
Reeditado em 16/10/2018
Código do texto: T6429934
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