O otimista
Nada mais inútil que esforçar-se à memória,
Fazer-se dela refém.
Feliz quem tudo esquece.
Nada mais irritante que os conselhos de outrem:
"Supere", me suplicam.
Mas caminho com ânsia às memórias.
Suponho que haja uma razão em todos,
Cada qual com a sua.
Suponho que, na vida, seja tudo inútil.
Suponho, portanto, que não devesse eu,
Partidário cético da existência,
Pôr-me a lamentar uma traição,
Pois assim as coisas humanamente se encaminham -
Ausentes de sentido e bondade.
E se não ajo deste modo; ou, pior:
Se espero que mo façam distintamente,
É por tolice e ingenuidade - nada mais.
Consolo-me com a ideia da tragédia
Como característica de uma vida,
Se não bem vivida,
Deveras interessante.
Ainda assim, não há dia o qual desejo viver.
Sou, todavia, otimista,
Pois levanto da cama, sem porquê.