Recuperá-la
O calendário é a única prova que os dias não são iguais
O relógio oscila, ora muito lento, as vezes depressa demais
Olho para longe mas nada vejo deste meu abandonado cais.
Pelas ruas vazias e silenciosas, o vento mal se esgueira
Minha porta, trancada, é uma intransponível fronteira
A janela, portal para um mundo distante, me olha sorrateira.
O tempo parece ter parado, talvez até desistido
Não posso condená-lo, nada disso faz sentido
Testo meu respirar só para ter certeza que ainda é permitido.
Dia e noite se confundem, como se desvinculados do sol e da lua
A vida parece ter se despido da fantasia e nos mostra a verdade nua
Até aqui vivemos anestesiados, acabou a euforia, a dor é crua.
Sobrevivo buscando lembranças até no longínquo passado
Recordações de um tempo onde o mundo ainda era encantado
Memórias de quando vivía em liberdade e não parecia um condenado.
Alguns dias perco a esperança, mas procuro até reencontrá-la.
Caço o pouco que me resta e guardo para não desperdiçá-la
Se ainda houver uma chance de viver como antes, vou recuperá-la.