ensandecência
(Há uma imensa pedra na porta da imensa caverna
Minha vida tem sido empurrá-la
Minhas forças todas têm sido movê-la poucos milímetros por dia
Poucos milímetros
Às vezes nem isso).
Dias atrás apareceu uma fresta, uma brecha, uma frincha
E eu passei.
Ainda não sei se entrei ou saí.
Mas a vida toda que havia lá
Seja lá aonde for que eu tenha ido
Jorrou de uma vez sobre mim
Uma tempestade de vida súbita
Uma convolação instantânea de qualquer algo em realidade
A descalcificação repentina de antigas impossibilidades.
Eu que vivia de arranhar a lápide que sufocantemente me enterrava
Que era só debater-me em meu caixão de vivo
De uma vez existi, vindo nem sei de onde.
(Meu ser inteiro ainda derrete na incasdescência dessa paixão
Na ensandecência desse desejo:
Escorro por encostas desconhecidas
Homem lava devastando cerrados).
De tudo sei que ontem um pouco adoeci
Ressaca da overdose de vida talvez
Resíduo tóxico de tanto êxtase de uma vez
Inflamação de transpor paredes, florestas e montanhas.
Ricochete, rebote, reverberação.
E tudo está como nunca certo.
Embora meus olhos às vezes arregalem de lembrança
Tudo está como nunca certo.