VIDA NA MORTE

Enquanto costuro os retalhos em casa

Ouço brincar crianças lá fora

Recolho um braço caído

de um abraço que nunca mais darei

Emendo os dedos estragados

de um toque na face que não mais sentirei

Junto os pés e os amarro

impedindo-os de caminhar até o quarto

onde ela não existe mais

nem todas as luzes que, de seus olhos,

iluminavam essa casa

pois ela se foi,

e, como num ato terrorista,

explodiu todo um lar

implodiu aquele que a pajeava

deixando-o quase oco e sem cor

sem perspectiva no olhar

sem um desejo qualquer

e sem o som nas palavras ditas

Agora, vendo correr os dias pela janela,

a única coisa que me prende a esta vida

são as linhas e as agulhas

que encontrei, sem ter procurado,

em cada grito de menino

em cada pulo de menina

em cada cair e levantar-se

das crianças que brincam lá fora

explodindo o desespero pelos ares

e solapando, sorridentes,

o poder da Morte sobre os vivos!