tempestade

Estou em desalinho.

As estações de minha vida todas meio mal sintonizadas

Meio fora do ar: dá pra ouvir, mas com chiado -

Muito ruído, falas exageradas, hiatos sem silêncio.

Sinto-me prestes ao exílio, ao total banimento

À execração e ao linchamento públicos

Perseguido pela turba com tochas em punho

Atacado pelas línguas ferinas enrijecidas de fel.

Acordo amarfanhado do fracassado sonho tentado.

Fui além do que aguentava nesse enganado mundo onírico.

Fiz das ilusões meu chão, sabendo que não eram, fingindo que podiam.

Fingi crer poder andar em nuvens

Ou sobre a água, e agora um pouco me afogo.

Sempre os dois dos vários que sou...

E tomou conta este que achou que podia, que engendrou desafios,

Inventou aventuras, desfez limites, barreiras...

Do meu lado direito, um pouco atrás, fez planos, elaborou estratégias...

Implementou-as. Súbito, ousado, irrefreável.

Acreditou. E hoje eu nem sei mais em quê!

Não me desespero, que sei que não serve.

Não lamento, que sei que não serve.

Tudo foram e são escolhas

E esse doido também sou eu.

Fui eu, não sei.

Mas doer essa confusão é inevitável.

É um luto sem morte, o desaparecimento do membro jamais amputado,

A perda do que sequer se teve, o desmanchar do desenho na nuvem.

Uma bruma. Um delírio. Um chiado.

Não valia à pena? Fiz muito estrago por pouco?

Ataca-me a mente a palavra medonho.

Medonho o quê? O crime ou o sonho? O fracasso ou o estrago de tudo?

O rastro pavoroso do caminho que aquele eu traçou

Que ambos trilhamos

Todos

E que agora persiste qual insólita poeira que não baixa.

Dissocio-me? Destroço-me.

Queria dormir até que a poeira baixasse

Até que todos esquecessem

Que tudo se esquecesse, se apagasse

Todas as palavras...

Que o chiado cessasse.

Abro mão de querer qualquer coisa

Pelo sono que não há. Pelo silêncio que não vem.

Nunca quis fazer mal a ninguém. Cria mesmo fosse inofensivo.

Mas acho que não sou. Não: ofendo, agrido, arranho.

Minha palavra pode ser má, perversa,

Posso ser perverso. Cruel, sem querer...

Mas é isso: o caos, a ambivalência de sempre

O movimento, os esbarrões

O contrário do vácuo, do nada.

E as dores é sempre alguém de mim que faz.

Ou o que inventa, ou o que tenta conter

Que sempre conteve, até dias atrás.

Tudo agora parece tão lamentável.

Tão triste...

Mas quando me ludibrio me exponho à extorsão anímica.

A realidade tem que ser inalienável, a verdade sempre.

Não posso fingir que não sou o outro que fez tudo,

Que assumiu os riscos

Comprou a briga.

Não posso renegar-me.

Agora a chuva não vem

A poeira não baixa

A bruma toma o dia

A névoa domina e tonteia.

Mas a tempestade há de vir lavar tudo

Quebrar e levar o que estiver seco, ressequido,

Soprar com força, da vida, o que não for vida

E limpar a cara do sol

Persistente e inevitável

Todo diferente e único.